Quem nasceu até meados dos anos 2000 ainda viveu a experiência de investir tempo em ir até uma locadora de filmes, primeiro com as fitas VHS e depois com os DVDs. Embora pareça improvável, foi neste modelo que a Netflix nasceu, em 1997. Na época o especialista em publicidade e vendas, Marc Randolph, e o matemático e mestre em inteligência artificial, Reed Hastings, criaram o que anos mais tarde se tornaria a líder do mercado de streaming.
Apesar de ser uma locadora, a Netflix já surgiu com um diferencial – o cliente locava o filme, mas não tinha um prazo para a devolução. A ideia surgiu após Hastings precisar pagar uma multa de US$ 40 por atrasar a entrega do filme Apollo 13 a uma das lojas da rede Blockbuster. As multas eram bem comuns na época, assim como a profissão que consistia em rebobinar fitas.
Um ano depois a dupla aprimorou o serviço e passou a entregar os DVDs pelo correio direto na casa do cliente. O processo era através do site e a cobrança gerada a cada título solicitado. Continuava sendo uma locadora, mas tinha como diferencial a entrega e retirada em casa. Foi em 1999 que o serviço se transformou na forma mais semelhante com o que temos hoje, com o pagamento mensal de uma assinatura e podiam ser retirados quantos DVDs o cliente quisesse.
Netflix: líder mundial
A locadora de DVDs se tornou a líder mundial no serviço de streaming, e em 2022 chegou a 220 milhões de assinantes. O modelo de filmes no formato que conhecemos hoje funciona desde 2007 e está em mais de 190 países. Na mesma época a empresa buscou uma equipe para montar o algoritmo que hoje nos sugere títulos de acordo com o perfil de cada usuário. Junto surgiu também a possibilidade de criar perfis individuais, para as contas com mais de um assinante. No Brasil, a Netflix chegou em 2011, quando assinou contratos de licença com grandes nomes das produções, como a Paramount, Miramax, Televisa e a Disney, que hoje tem o próprio serviço.
Após o último reajuste de preços, a Netflix perdeu assinantes pela primeira vez em 11 anos. Segundo o balanço financeiro do primeiro trimestre, 200 mil clientes cancelaram a assinatura. Uma série de fatores influenciaram o movimento, entre eles o aumento da concorrência.
Hoje o brasileiro tem inúmeras opções, como Amazon, Globoplay, Disney Plus, Star+, HBO Max, Telecine, Apple TV, Paramount e Starzplay, e se for assinar todos precisa desembolsar até R$ 268 por mês.
Quem já tentou comprar a Netflix?
Em 25 anos a Netflix já teve duas grandes possibilidades de ser vendida: uma em 1998, quando o CEO da Amazon, Jeff Bezos, ofereceu US$ 12 milhões. Randolph e Hastings recusaram. Hoje a Amazon Prime é uma das maiores concorrentes.
A outra foi em 2000, quando a própria Netflix fez uma proposta para a gigante Blockbuster por US$ 50 milhões. A negociação não avançou, já que não valia tanto naquela época. Hoje o serviço é um gigante e a Blockbuster foi extinta em 2020.
Capital aberto há 20 anos
Marc Randolph deixou o quadro da empresa em 2002 e confiou todo seu trabalho nas mãos de Hastings. Randolph já declarou em algumas oportunidades que preferia atuar na época em que a Netflix era uma startup.
No mesmo ano, a Netflix decidiu abrir o capital e iniciou a oferta pública de ações (IPO) na Nasdaq ao custo de apenas US$ 1 por ação. Na B3, a bolsa brasileira, a empresa está listada com a BDR NFLX34 e também no mercado fracionado NFLX34F.
Momento atual da Netflix
O momento da gigante de serviços de streaming é delicado e com um futuro cheio de desafios. Os números operacionais divulgados no último trimestre vieram frustrantes, com receita abaixo do esperado e uma perda significativa de assinantes. A redução de 200 mil assinantes no trimestre fez a companhia rever os planos de crescimento, embora espere uma redução ainda maior para o ano, na casa dos 2 milhões de assinantes. Ainda assim, hoje a empresa possui cerca de 220 milhões de contas ativas.
O resultado divulgado amplificou a má percepção momentânea do mercado com relação à companhia e ao setor. Analistas apontam que o setor de serviços de streaming continua com uma competição feroz. Isso parece estar dificultando a taxa de crescimento das principais plataformas. Outro ponto que pode explicar a decepção nas adições é a velocidade com que foram captadas novas assinaturas no meio da pandemia, o que pode ter antecipado e concentrado as adições em um período mais curto de tempo.
E a concorrência?
A companhia também reconheceu o potencial impacto dos serviços de streaming rivais como o Disney Plus, Prime Video e HBO Max. Contudo, a empresa não vê isso como um obstáculo relevante, visto que ainda há regiões a serem exploradas no mundo e alternativas de produtos engatilhados.
A diretoria da companhia apresentou ainda algumas estratégias para melhorar a rentabilidade nos próximos meses, com a possibilidade de criar contas mais acessíveis, porém que terão a inclusão de publicidade e a “caça” às contas compartilhadas. Talvez a melhor proposta da empresa para a virada da captação de assinantes possa estar nos planos de baixo custo, com publicidades, a fim de explorar um novo segmento de clientes e possibilitar downgrades de planos, ao invés de cancelamentos. A gigante também planeja começar a reprimir o compartilhamento de senhas entre a base de assinantes.
Agora vai?
A gigante do streaming parece correr contra o tempo para mitigar a desaceleração de crescimento na base de assinantes, que resultou em quedas acentuadas nas duas últimas divulgações de resultados. Por exemplo: apenas no primeiro trimestre de 2022, as ações da Netflix despencaram 26% após a divulgação do balanço e a empresa perdeu US$ 40 bilhões em capitalização de mercado. O escrutínio sobre o compartilhamento de senhas e a tentativa de diversificar os planos são novas apostas da empresa para retomar parte do ritmo de crescimento visto nos anos anteriores.
Como investir?
Investir na Netflix é simples e há diversas formas de se tornar sócio da companhia de filmes e séries. Tendo uma conta em corretora americana, basta comprar as ações de ticker NFLX, listadas na Nasdaq.
Pelo Brasil, a forma mais fácil é via BDRs, recibos de empresas listadas em bolsas estrangeiras, por meio do ticker NFLX34, listados na B3. Uma alternativa é uma novidade em lançamento pela XP: a conta global. Na mesma conta na corretora XP, o novo lançamento vai permitir investimentos nas bolsas americanas, em dólar, com produtos como Stocks, ETFs e REITs. Assim, combinando com investimentos nacionais, será possível ter ações americanas diretamente, como da Netflix.
Quais são os riscos?
Dentre os riscos de mercado, o principal deles está no valuation e método de precificação da companhia. Por se tratar de uma empresa do setor de tecnologia, a expectativa de crescimento é muito grande para o futuro, resultando em múltiplos altos e arriscados. O recente aumento das taxas de juros globais derrubou a cotação da empresa. Isso aconteceu visto que a taxa de crescimento acelerada pode se tornar mais difícil de se manter.
Entre os riscos operacionais, com os concorrentes se expandindo recentemente para outros mercados, como Ásia e Europa, é esperado que a dominância da Netflix nessas regiões diminua. Hoje muitas empresas produtoras de filmes e séries, que antes mantinham apenas canais em TV a cabo, estão criando as plataformas próprias de streaming, ameaçando o reinado da Netflix.
Além disso, a inflação crescente no mundo também afeta diretamente os gastos discricionários das famílias. Quando o preço dos itens sobe em uma magnitude e velocidade maiores que os salários, o resultado é o corte de despesas consideradas fúteis, não essenciais. Essa realidade impacta as assinaturas de streaming, sendo um gasto recorrente e impactante no orçamento. Cabe à Netflix a disponibilização de conteúdos que brilhem aos olhos de seus consumidores de forma maior que seus concorrentes.
Devo investir mesmo assim?
A Netflix é um dos principais beneficiários da disrupção dos modelos de negócio da TV como conhecemos. Ainda assim, a empresa continua com menos de 10% do tempo de TV em seu maior mercado (Estados Unidos). Isso dá espaço para um forte crescimento à frente para o segmento de streaming como um todo, mesmo com o aumento de concorrência no setor. Por exemplo, no Brasil, o mercado de TV a cabo e antena ainda é muito predominante, proporcionando uma fatia imensa a ser explorada pela companhia.
O modelo de receitas também é um ponto positivo, com receita recorrentes, modelo de assinaturas que proporciona um fluxo previsível e constante para a companhia. O conteúdo da empresa continua com um bom desempenho global e impulsionando o crescimento de assinantes, mesmo com uma expansão mais lenta. Além disso, a empresa deve continuar se beneficiando do aumento global de dispositivos conectados à Internet.